A ALMA HOLANDESA E UM CAMINHO MAIS EXCELENTE PARA MIM... Marcelo

Posted by Valmir Bodruc | Posted in | Posted on 19:04

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Quando viajo, não sou exatamente um turista. Prefiro ver gente.


Desses dias intensos que eu passei aos arredores de Netherland (Países Baixos, porque estão abaixo do nível do mar) poderia dizer muitas coisas. As percepções e interações foram múltiplas. Aprendi muito enquanto lhe ensinava o Evangelho, ininterruptamente. Entre uma pregação e outra, abriam-se "parênteses de convivência", "clarões de fraternidades imediatas", e então conheci um pouco do espírito para quem eu ministrava.


Dentre tudo que eu teria a comentar acerca da alma nativa, aqui só exponho o quanto ela é cativa! E como a Graça de Deus lhes cairia bem! Sim, pois para o holandês NUNCA NADA ESTÁ BOM. Tem-se sempre que fazer melhor, para ao final, ser digno de evocar uma frase pronta: "Eh! Mas ainda falta algo..."


É assim a cultura da alma holandesa.

É assim a alma da cultura holandesa.


Meritória, sim; mas nunca premiada, por fim.


Nas conversas particulares isso ficou para além de evidente, pois eles mesmos sabem que é assim e se referem a esse "jeitão de ser" do mesmo modo que falamos do "jeitinho brasileiro" ou do "make yourself" norte americano (Obviamente, conversando em inglês; ou sob tradução, pois a língua holandesa é desesperadora de ouvir! Até os bebês vivem treinando "grrrrrr", como quem se prepara para cuspir. Às vezes, lhes faltam vogais, ou eles as têm em excesso, já que duas vogais representam foneticamente os nossos acentos. Ler é pior, porque até um MANUAL precisa se chamar "Gebruikershandleiding"!).


Mas, o assunto aqui é essa peculiaridade que faz sofrer muito o pessoal de 35-45 anos, principalmente: "Não posso ser feliz porque ainda não me fiz digno o suficiente" (que é sempre mais do que se pode ser-fazer, na verdade). Quando se chega ao alvo determinado, tem-se que fingir que ainda não se encontra lá, para poder continuar buscando chegar. Essa é a ética de uma condição de existencialidade infeliz, e não da objetiva busca pelo sucesso apenas.


É diferente do que se dá em terras latinas.


O brasileiro, em termos gerais, sempre quer mais, mesmo que seja para desperdiçar, dado à colonização cultural norte-americana: consumista, insatisfeita e exagerada. Quer mais! Não "mais de si próprio". Digo: mais oportunidades ao redor, as quais possam agarrar para subsidiar sonhos vãos, vaidades-filhas da nossa baixa auto-estima, "que quase sempre se convence que não tem o bastante".


(Percebe-se isso, por exemplo, na pressão que a moda-mídia impõe a todas as jovens brasileiras, de todas as classes sociais, que de tão "fashion" já parecem uniformizadas com suas calças de cintura baixa!).


A diferença é que o norte-americano consegue TUDO, e só então se deprime. No Brasil, têm-se uma "triste vantagem": como vive tentando, e tentando vai até a morte, o brasileiro "não desiste nunca", já que tem a "sorte" de raramente chegar ao alvo. Viver e morrer na esperança protege da depressão endêmica, visto que há alegria e "sentido" em ocupar-se sempre na busca pelo "american dream", que é uma espécie de fim do arco-íris – lugar idealizado que, em chão verde-amarelo, quase sempre só alcança quem já nasceu nos seus arredores (ou, lógico, quem surrupiou o pote de ouro que lá estava!)


A tristeza iangue é já ter alcançado! Se no Brasil a falta de medo advém da expectativa de vir a ter; nos Estados Unidos, o medo é tão sólido quanto às coisas que temem perder! Por isso, lá tem mais pânico do que aqui! Sim, quem tem, tem medo.


Mas são dos holandeses que estávamos divagando...


O holandês é mais simples, tem objetivos menos sofisticados, optam quase sempre pelo que é singelo, certo-exato, antigo, anterior... Europeu (!). Não se importam com validades entendidas, com a alta durabilidade de seus pertences, nem com as ferrugens das bicicletas, muitas bicicletas, um mundo de "barrafortes" (parece que não vale bicicleta nova por aqui!). E os carros também podem ser tão antigos que se os 'novos-ricos' brasileiros os tivessem, corariam de vergonha de sair com eles à rua. O holandês está acostumado à recomeços constantes (A Alemanha nazista passou por aqui como um trator e desmantelou tudo em dois dias!), mas só reformam o que for absolutamente necessário à modernização... Não ficam pintando a casa a cada seis meses, demoram cinco séculos (mesmo!) para restaurar uma catedral e uns duzentos anos para trocar a fachada de uma estação de trem!


Por isso, aqui nos países que se sabem "baixos", a questão não é: "Não tenho o suficiente!" Até porque não é tão difícil ter e manter. Eles, grosso modo, possuem! E a Holanda é rica, florida e mais de 80% das pessoas são, estatisticamente, saudáveis!


A questão é: "Não sou o suficiente, preciso melhorar!" Eles não trabalham muito, como fazem os americanos nem que seja para atualizar seus iPODs e os brasileiros para poder comer e pagar o aluguel. Não. Eles trabalham menos, e sempre. Ressalto: não é "não faço o suficiente" para me dar bem! É: "nada existe que me faça sentir-me bem, e se algo existe ainda não me fiz digno de tal."


· Conversei com um holandês desempregado (2% da população). Ele tem seguro e subsídio do governo, como qualquer cidadão dessa nacionalidade. Nunca passará fome e nem perderá a casa, por todo o tempo que assim estiver. Mas, ele quer morrer! A humilhação dessa condição não lhe permite um único dia de espontânea alegria ou gratidão. Deprimido e pressionado, extravasa-se no consumo das prostitutas de vitrine do centro da cidade. A sociedade e a consciência acusam-lhe "indigno". Eu perguntei a ele com que freqüência "compra" mulheres-objeto por 15 minutos? –"Diariamente!"


· Outra jovenzinha, contaram-me que é aeromoça. Você diz para ela: "Que profissão linda, viajar pela KLM por todo o mundo, falar tantos idiomas, conhecer tantos lugares e ter um salário tão digno!!! Congratulation!" – "Ah! Não... não... Ainda preciso melhorar... Ainda está tudo muito longe de poder me satisfazer! Falta-me tanto...", é o que ela diz!


· Uma jovem senhora loiríssima veio conversar a minha janela, triste por querer sentir Deus e não conseguir... Tentou igrejas, mas desistiu. Acha-se racional demais! Quer Deus para sentir-se melhor. Para sentir algo na base do "qualquer coisa que se sinta... Tem tanto sentimento, deve ter algum que sirva!" A amiga brasileira tacou-lhe logo uma tamancada verbal: "Se você, que é tão correta, não tem Deus, quem é que tem então? O problema é que, para você, você nunca está bem! Não SENTE porque foi programada para pensar que ALGO sempre vai faltar! Vocês são assim: Sempre tem um MAS..." Ela ouvia e concordava. A meu convite veio à reunião no último dia na Bélgica. Ao final, surpreendi-me de vê-la à frente, ajoelhada sob o púlpito, em choro compulsivo. Desci e lhe impus as mãos sobre a cabeça! A Graça lhes cai bem, e superabunda onde abunda a cultura meritória de acesso ao bem-estar interior.


Agora posso entender porque o "Queen´s Day" é um carnaval-libera geral nacional! Um veneno contra a monotonia! Como é todo mundo pelo menos um pouquinho infeliz, beber até cair, fumar às claras aquilo que o mundo todo só o faz escondido e transar legalmente num parque a céu aberto, são só formas psíquicas de lidar com a aflição suicida de nada fazer sentido algum na era pós-cristã, na qual acabou-se a repressão religiosa, mas também foi-se a ilusão que fomentava espíritos reformados.


Já no avião, em direção à Londres, olhei em despedida para a terra dos moinhos e das tulipas (Sim, pois sexo e drogas são atrações turísticas da capital Amsterdã, mas o país não é tão "baixo" assim). Tem quem só veja ali a "Sodoma e Gomorra da Modernidade". Eu, contudo, sob as lentes do Evangelho, SEI que se nessa Sodoma fosse pregada a esperança do Evangelho e a certeza do Amor Incondicional de Deus – além de nada mais em acréscimo – há muito se teriam convertido. Mas a Reforma só lhes trocou as placas e varreu os ídolos. Esvaziou a casa e não pôs nada dentro.


Daí o altar à liberalidade incontida ser a vingança à igreja-museu-mosaica! Os Países Baixos institucionalizaram a baixaria e transformaram os templos luteranos em danceterias para garantir que a Era Cristã acabou mesmo e perdeu a chance de voltar.


E lá se foi o Bebê para o ralo junto com a água suja da banheira, pois esse Jesus reformado é só um Moisés europeu! E "Moisés", vocês sabem, quer mudar os costumes mesmo sem mudar a consciência.


Pena que toda uma geração de jovens está perdida entre ceticismos e superstições, entre excessos e depressões, até que por lá se faça um "caminho mais excelente" – o Evangelho do fim!


***


Não sei por que dentre tantas coisas que eu poderia aqui descrever, sobe-me essa peculiaridade existencial mal notada, socialmente sorrateira e sutilmente dominante, imperceptível aos guias turísticos e mesmo aos terapeutas locais.


Penso que escrevo isso porque decerto tenha visto a mim mesmo refletido na condição cultural de todo um povo. Apesar de brasileiro, fui criado para viver sob

· A tônica do mérito,

· A força da obrigação,

· A obviedade da premiação e

· Alguma justificativa para manter-se insatisfeito em meio às conquistas.


Ora, isso gerou em mim a síndrome do desempenho, e foi como tirar 10 numa prova escolar e, ao receber os tapinhas de parabenização, dizer algo como: "Eh! Foi 10, mas eu poderia ter me saído melhor (!?)". Tem cabimento isso? Pois, passei adolescência e juventude assim, até que, cansado, esgotado, fracassado, envelhecido, frustrado e sozinho, Jesus me revelou com carinho que esse era o ORGULHO que esconde a MEDIOCRIDADE, e a PRODUÇÃO que oculta a FALTA DE SENTIDO.


Geograficamente instalados entre alemães e franceses, holandeses não querem sentir-se medíocres ou menores. E eu, sublimando a baixa auto-estima da qual se conclui que o mundo inteiro é mais apto que você, ultrapassei a todos "os de minha idade"...


Mas, quando Deus revelou Seu Filho em mim, se valendo de toda essa matéria-prima paradoxal e adoecida, o que era Perfeito definitivamente vigorou e me plenificou, de modo que eu possa ir sendo aperfeiçoado em meio a muitas imperfeições que já podem ser assumidas (das quais, às vezes, eu só dou risada). Eu não sou o melhor e nem quero ser, porque é tudo fatiga e feiúra, travestida de dinâmica performática. Eu não sou o melhor e nem preciso ser, eu não espero mais muita coisa de mim, senão somente Dele e Nele, e o que por Ele me vier à mão.


Obviamente, todo dia um oceano psíquico quer submergir as construções de Fé e rachar os diques do Espírito, para esse mar inteiro voltar violento. Mas, os moinhos de vento se movem sempre, se valendo da força das mesmas águas contrárias.


Na Holanda da minha alma funciona assim: O Vento do Espírito sopra o moinho... Devagar e sempre; e daí se extrai muita energia para viver, pois sua extremidade submerge nesses mares, e como uma Bomba de Deus em mim, o Espírito vai drenando as terras baixas do Ser.


É isso!

O mal se fez em bem!

Deus usa o que tem.

E meu mundo é um moinho holandês!


E a Holanda... ainda tem chances. Tem muitos moinhos.


Marcelo Quintela


Londres/UK

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